terça-feira, 18 de setembro de 2018

A Criatividade, segundo Walt Whitman

Sabedoria para artistas e líderes fortes, para futuros professores e músicos vindouros.

As pessoas mais arrependidas do mundo ”, escreveu Mary Oliver em sua bela reflexão sobre o compromisso central da vida criativa,“ são aquelas que sentem o chamado ao trabalho criativo, que sentem seu próprio poder criativo repousando e revoltando, e não dão a ele nenhum poder, nem tempo.”
Uma grande parte desse poder, e de sua dimensão temporal, é uma curiosidade franca sobre o mundo - uma disposição de absorver seus aspectos variados e muitas vezes contraditórios, para extrair deles a concentração da verdade que chamamos arte. Rainer Maria Rilke sabia disso quando contemplou a natureza combinatória da criatividade:

“É preciso ver muitas cidades, homens e coisas. É preciso conhecer os animais, é preciso sentir como os pássaros voam e conhecer o gesto com que as pequenas flores se abrem pela manhã ... É preciso ter lembranças de muitas noites de amor ... Mas é preciso também estar ao lado dos moribundos, é preciso ter sentado ao lado dos mortos no quarto com a janela aberta ..."

Um século e meio antes de Oliver e muitas décadas antes de Rilke, outro grande poeta e padroeiro da verdade voltou seu olhar singular para a questão da criatividade. Walt Whitman (31 de maio de 1819 - 26 de março de 1892) explora esse mistério permanente em alguns versos cerca de trezentas páginas em Leaves of Grass - a obra-prima de 1855 que quase quebrou sua carreira antes de fazê-lo, então nos deu seu conselho eterno sobre viver uma vida vibrante e recompensadora.
Sob o título “Leis da Criação”, dirigidas a “artistas e líderes fortes, Whitman define os riscos e os elementos essenciais do trabalho criativo:

"Todos devem ter referência ao conjunto do mundo e a verdade compacta do mundo; Não haverá assunto muito pronunciado - Todas as obras vão ilustrar a lei divina das indirecções."

Ecoando o influente ideal de autoconfiança de Emerson - Afinal, Emerson era o grande herói de Whitman e a pessoa em grande parte responsável por seu sucesso como artista - acrescenta:

"O que você acha que é a criação? O que você acha que vai satisfazer a alma, exceto andar livre e não possuir um superior? O que você acha que eu insinuei a você em uma centena de maneiras, mas esse homem ou mulher é tão bom como Deus? E que não há Deus mais divino do que você mesmo? E isso é o que os mitos mais antigos e mais novos finalmente significam? E que você ou qualquer um deve se aproximar de criações através de tais leis?

Fonte: https://www.brainpickings.org/2018/09/14/walt-whitman-on-creativity/

quinta-feira, 30 de abril de 2015

O jornalismo integral, segundo Antonio Gramsci

 O jornalismo integral, segundo Antonio Gramsci
Resenha de Victor Lourenço
Antonio Gramsci (1891-1937) foi um homem a frente de seu tempo, um visionário, alguém que cumpriu uma importante missão, apesar das circunstâncias extremamente desfavoráveis. Esteve preso entre 1926 e 1937 e só foi libertado quando a saúde já estava precária, vindo a falecer três meses depois. A história deste cidadão italiano enche-nos de compaixão e orgulho, pois percebemos que, além de ser vítima da perseguição política, pelos fascistas, produziu reflexões dignas da história intelectual da humanidade. Tais reflexões extrapolaram em muito o alcance presumido nos escritos de Gramsci, o que indica a grandeza do seu pensamento, mais ainda pela oportunidade do assunto: o papel da imprensa nas sociedades capitalistas. Nesse sentido especial, apresento citações destacadas de um texto escrito por Gramsci, intitulado Jornalismo Integral, parte integrante do livro Os intelectuais e a organização da cultura, publicado no Brasil pela editora Civilização Brasileira, em 1995, com tradução de Carlos Nelson Coutinho.
Como complemento, faço alguns comentários sobre o contexto da época e da atualidade, quando se agrava a crise do jornalismo no Brasil e no mundo. Pensemos, então, como o autor, encarcerado e dilacerado pelas dúvidas quanto ao destino do movimento operário no momento em que o fascismo tomava conta da Itália.
“O tipo de jornalismo estudado nestas notas é o que poderia ser chamado de ‘integral’, isto é, o jornalismo que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, consequentemente, em certo sentido, criar seu público e ampliar progressivamente sua área” (A. Gramsci, 1995: 161)
Vemos aqui o embrião de uma situação que é atual, embora tenha profundas raízes: o jornalismo como fator de produção necessário ao modo capitalista de organizar a sociedade. O autor antevia o potencial formador do jornalismo, algo que foi sendo progressivamente ampliado, mas não sem consequências para o próprio jornalismo: quanto mais integrado ao sistema de consumo, menor ficava a influência espiritual e intelectual, no sentido preciso do seu esvaziamento moral.
“Se examinarmos todas as formas de jornalismo e atividades editoriais existentes, vê-se que cada uma delas pressupõe outras forças a integrar ou às quais coordenar-se. Para desenvolver criticamente o assunto, parece-me oportuno pressupor uma outra situação: a existência, como ponto de partida, de um certo agrupamento cultural mais ou menos homogêneo, de um certo tipo e com uma certa orientação; devemos pressupor ainda que se pretenda fundar-se em tal agrupamento para construir um edifício cultural completo, autárquico, começando precisamente pela língua”. (Idem, p. 162)
Nessa passagem temos duas noções fundamentais para o entendimento do pensamento de Gramsci: o conceito de intelectual orgânico e o conceito de hegemonia. São noções sobre as quais muito se discutiu, mas pouco se avançou, apesar da sua importância. Estes dois conceitos estão implícitos ao longo dos argumentos, embutidos, e, claro, poderão sempre ser melhor explicitados, para fazer justiça ao autor. Antes, no entanto, destaca-se o papel fundamental atribuído à lógica interna da linguagem. Diz Gramsci:
“Todo o edifício deveria ser construído de acordo com princípios racionais, isto é, funcionais, na medida em se tem determinadas premissas e se pretende atingir determinadas consequências. Por certo, durante a elaboração de um plano, as premissas necessariamente se modificam, dado que, se é verdade que uma certa finalidade pressupõe certas premissas, é também verdade que, durante a elaboração real da atividade determinada, as premissas são necessariamente modificadas e transformadas, e a consciência da finalidade (ampliando-se e concretizando-se) reage sobre as premissas, adequando-as cada vez mais. (...) mas se as finalidades começam progressivamente a se realizar, o fato mesmo desta realização, da efetibilidade alcançada, modifica necessariamente as premissas inicias, que porém não são mais iniciais e, consequentemente, modificam-se as finalidades imagináveis, e assim por diante”. (Idem, p. 162)
Gramsci tratou de um aspecto de extrema complexidade, com o qual a sociologia e a epistemologia contemporânea vêm se defrontando: a reflexividade das atividades humanas. Isto é, toda nova informação tem o potencial de mudar o comportamento dos seres humanos, alterando as bases iniciais do próprio processo de cognição. Gramsci explica esta reflexão usando o exemplo da alfabetização. Afirma que, em uma turma escolar que aprenda o alfabeto, isto não significa que o analfabetismo desapareça para sempre; pois todo ano aparecerá uma nova turma. E que quanto mais raro se tornar o analfabetismo entre os adultos, mais fácil será povoar as escolas elementares. Daqui ele parte para uma consideração do perfil dos leitores, tal como era entendido em sua época.
“Os leitores devem ser considerados a partir de dois pontos de vistas: 1) como elementos ideológicos, transformáveis filosoficamente, capazes, dúcteis, maleáveis à transformação; 2) como elementos econômicos, capazes de adquirir publicações e de fazê-las adquirir por outros. Os dois elementos, na realidade, nem sempre são destacáveis, na medida em que o elemento ideológico é um estímulo ao ato econômico da aquisição e da divulgação. Todavia, é necessário, quando se constrói um plano editorial, manter a distinção entre os dois aspectos. Outrossim, na esfera econômica, as possibilidades não correspondem à vontade e ao impulso ideológico; portanto, deve-se planejar de modo a que seja dada a possibilidade de aquisição indireta, isto é, compensada com serviços (divulgação)”. (Idem, p. 163)
Neste trecho abaixo mais uma vez ele se refere à modificação das premissas iniciais, uma vez posto em marcha o processo.
“Uma empresa editorial publica diversos tipos de revistas e livros, cuja gradação varia de acordo com os diversos níveis de cultura. É difícil estabelecer quantos clientes possíveis existem em cada nível. Deve-se partir do nível mais baixo e, sobre ele, pode-se estabelecer o plano comercial mínimo, isto é, a previsão mais realista, levando-se porém em conta que a atividade pode modificar (e deve modificar) as condições do ponto de partida, não somente no sentido de que a esfera da clientela pode (deve) ser ampliada, mas também de que pode (deve) ser determinada uma hierarquia de necessidades a satisfazer e, consequentemente, de atividades a desenvolver”. (Idem, p. 163)
Vemos que Gramsci elabora uma espécie de teoria do planejamento para empresas do ramo editorial, pensando e articulando diferentes níveis de produtos, adequados a cada tipo de público, de modo a alavancar a própria atividade editorial. E nisso ele revela toda a sua presciência e acuidade, muitas décadas antes de vir a existir a chamada pesquisa de mercado e o planejamento estratégico. Fazendo menção à burocratização das empresas, que embotava as iniciativas individuais, Gramsci acrescenta que é impossível falar de negócio jornalístico e editorial sério se não existir o elemento organização do cliente, da venda. E aqui um ponto extremamente relevante: “é uma observação generalizada a de que, num jornal moderno, o verdadeiro diretor é o diretor administrativo e não o diretor da redação” (Idem, P. 164), antecipando em décadas uma realidade que só seria verificada inteiramente na atualidade.
Outro ponto de grande interesse diz respeito a atividade de recenseamento da vida intelectual em um dado país, para manter-se atualizado o estado-da-arte. Gramsci recomenda expressamente ler as revistas dos jovens, e não somente aquelas que já se firmaram e que representam interesses sérios e bem estabelecidos.
“É dever da atividade jornalística (em suas várias manifestações) seguir e controlar todos os movimentos e centros intelectuais que existem e se formam no país. Todos. Isto é, com exclusão apenas dos que têm um caráter arbitrário e amalucado; se bem que mesmo estes, com o tom que merecem, devem pelos menos ser registrados. (...) Ao que parece, antes de mais nada, deve-se desenhar o mapa intelectual e moral do país, isto é, localizar os grandes movimentos de ideias e os grandes centros.” (Idem, p. 164)
Uma recomendação importante, que pode ser seguida hoje, é a que estabelece a distinção entre movimentos militantes, que são os mais interessantes, e movimentos de retaguarda, ou de ideias adquiridas e tornadas clássicas ou comerciais.
“É necessário reconhecer abertamente que, por si mesmas, as revistas são estéreis se não se tornam a força motriz e formadora de instituições culturais de tipo associativo de massa, isto é, cujos quadros não são fechados. O mesmo deve ser dito das revistas de partido; não é preciso crer que o partido constitua, por si mesmo, a instituição cultural da massa da revista, O partido é essencialmente político, e mesmo sua atividade cultural é atividade de política cultural; as instituições culturais devem ser não apenas de política cultural, mas de técnica cultural.” (Idem, p. 166)
Aqui uma referência ao papel central dos agrupamentos intelectuais, notadamente a dimensão política do jornalismo.
“Não pode existir associação permanente, com capacidade de desenvolvimento, que não seja sustentada por determinados princípios éticos, que a própria associação determina para seus componentes singulares, a fim de obter a capacidade interna e a homogeneidade necessárias para alcançar o objetivo. Nem por isso deixam estes princípios de possuir caráter universal. (...) Uma associação normal concebe a sim mesma como uma aristocracia, uma elite, uma vanguarda, isto é, concebe a sim mesma como sendo ligada por milhões de fios a um determinado agrupamento social e, através dele, a toda a humanidade. Portanto, essa associação não se considera como algo definitivo e enrijecido, mas como tendente a ampliar-se.” (Idem, p. 167)
“A coletividade deve ser entendida como produto de uma elaboração de vontade e pensamento coletivos, obtidos através do esforço individual concreto, e não como resultado de um processo fatal estranho aos indivíduos singulares; (...) se devem existir polêmicas e cisões, é necessário não ter medo de enfrenta-las e supera-las: elas são inevitáveis nestes processos de desenvolvimento, e evita-las significa tão somente adia-las para quando já forem perigosas ou mesmo catastróficas”. (Idem, p. 168)
“Um organismo unitário de cultura, que oferecesse aos diversos estratos do público os três tipos de revistas, ao lado de coleções de livros, satisfaria as exigências de uma certa massa de público, que é mais ativa intelectualmente, mas somente no estado potencial, e que importa mais elaborar, fazer com pense concretamente, transformar, homogeneizar de acordo com um processo de desenvolvimento orgânico que eleve do simples senso comum ao pensamento coerente e sistemático”. (Idem, p. 169)
Gramsci elaborou um planejamento editorial, composto de diversas seções específicas, dedicadas aos diferentes temas, e cita três tipos de revista, que importa destacar: uma que combine elementos diretivos, outra do tipo crítico, histórico e bibliográfico; e um terceiro, que combine os elementos dos tipos anteriores. Adiante, ele explica como deveria ser uma revista do segundo tipo.
“Nas revistas deste tipo, são indispensáveis algumas rubricas [seções], como um dicionário enciclopédico político-científico-filosófico, no seguinte sentido. Em cada fascículo, deve-se publicar uma ou mais pequenas monografias de caráter enciclopédico sobre conceitos políticos, filosóficos e científicos que aprecem frequentemente nos jornais e nas revistas, e que o leitor médio dificilmente compreende. Na realidade, toda corrente cultural cria a sua linguagem, isto é, participa do desenvolvimento geral de uma determinada língua nacional, introduzindo termos novos, enriquecendo de conteúdo novo termos já em uso, criando metáforas, servindo-se de nomes históricos para facilitar a compreensão e o julgamento de determinadas situações atuais”. (Idem, p. 170)
Para a construção de um pensamento hegemônico, mas não totalitário, Gramsci mostra um entendimento sui generis do conjunto da sociedade, indo contra a maré montante da fragmentação e do individualismo.
 “A elaboração nacional unitária de uma consciência coletiva homogênea requer múltiplas condições e iniciativas. A difusão, por um centro homogêneo, de um pensar e de agir homogêneo é a condição principal, mas não deve e não pode ser a única. Um erro muito difundido consiste em pensar que toda camada social elabora sua consciência e sua cultura do mesmo modo, com os mesmos métodos, isto é, com os métodos dos intelectuais profissionais. O intelectual é um profissional que concebe o funcionamento de máquinas próprias especializadas; tem o seu tirocínio e seu sistema ‘Taylor’ próprios. É pueril e ilusório atribuir a todos os homens esta capacidade adquirida e não inata... “(Idem, p. 173)
Outro ponto fundamental, que serve como uma diretriz para o jornalismo, diz respeito ao método de trabalho como parte integrante da atividade, em conexão com a realidade.
“A repetição paciente e sistemática é um princípio metodológico fundamental, mas não a repetição mecânica, obsessiva. Porém, é necessária a adaptação de cada conceito às diversas peculiaridades e tradições culturais, sua apresentação e reapresentação em todos os seus aspectos positivos e em suas negações tradicionais, relacionando sempre cada aspecto parcial à totalidade. (...) O trabalho educativo-formativo desenvolvido por um centro homogêneo de cultura, a elaboração de uma consciência crítica (por ele promovida e favorecida) sobre uma base histórica, este trabalho não pode limitar-se a simples enunciação teórica de princípios claros. O trabalho necessário é complexo e deve ser articulado e graduado: deve haver dedução e indução combinadas, lógica formal e lógica dialética, identificação e distinção, demonstração positiva e destruição do velho. Mas não de modo abstrato, e sim concreto, sobre a base real e da experiência efetiva”. (Idem, p. 174)
O aspecto formativo, que faz parte da função social do jornalismo, aparece mais uma vez no pensamento agudo de Gramsci.
“Nesta mesma ordem de observações, insere-se um critério mas geral: as modificações nos modos de pensar, nas crenças, nas opiniões, não ocorrem mediante explosões rápidas, simultâneas e generalizadas, mas sim, quase sempre, através de combinações sucessivas, de acordo com fórmulas, de autoridade variadíssimas e incontroláveis. A ilusão explosiva nasce da ausência de espírito crítico. (...) Na esfera da cultura, aliás, as explosões são ainda menos frequentes e mãos menos intensas do que na esfera técnica, na qual uma inovação se difunde, pelos menos no plano mais elevado, com relativa rapidez e simultaneidade. Confunde-se a explosão de paixões políticas acumuladas num período de transformação técnicas, às não correspondem novas formas de organização jurídica adequada, com as transformações culturais, que são lentas e graduais.” (Idem, p. 175)
Gramsci interrompe sua descrição dos tipos de revista para tratar da formação dos redatores, e de como estes profissionais atuam para modificar os modos de pensar e de modificar a opinião média na sociedade.
“O tipo de revista político-crítica exige um corpo de redatores especializados, em condições de fornecer, com certa regularidade, um material cientificamente elaborado e selecionado; a existência deste corpo de redatores, que tenha atingido em si um certo grau de homogeneidade cultural, não é absolutamente coisa fácil; trata-se de um ponto de chegada no desenvolvimento de um movimento cultural.” (Idem, p. 176)
Mais uma vez, demonstrando uma percepção apurada do comportamento humano, Gramsci explica como o senso comum pode (e deve) ser modificado para acompanhar o progresso científico.
“Cada camada social tem seu senso comum e seu bom senso, que são, no fundo, a concepção de vida e do homem mais difundida. Cada corrente filosófica deixa uma sedimentação de senso comum: é este o documento de sua efetividade histórica. O senso comum não e algo rígido e imóvel; ele se transforma continuamente, enriquecendo-se com noções científicas e com opiniões filosóficas que penetram no costuma. O senso comum é o folclore da filosofia, e ocupa sempre um lugar intermediário entre o folclore propriamente dito e a filosofia, a ciência, a economia dos cientistas. O senso comum cria o futuro folclore.” (Idem, p. 178)
Na atualidade, quando os grandes jornais corporativos enfrentam o declínio de suas audiências, e como tiragens cada vez menores, acadêmicos e especialistas debatem o chamado ‘modelo de negócio’, pensando em como salvar o jornalismo convencional. Agora, lendo o que Gramsci escreveu nos anos 1930, se percebe o quão pouco se evoluiu no entendimento do que seja a função da imprensa na sociedade. A estratégia de vender informação como produto se revela suicida quando despreza o fundamental: o compromisso com a verdade e com o leitor.
“O problema fundamental de todo periódico (cotidiano ou não) é o de assegurar uma venda estável (se possível em contínuo incremento), o que significa a possibilidade de construir um plano comercial. Por certo, o elemento fundamental de para a sorte de um periódico é o ideológico, isto é, o fato de que satisfaça ou não determinadas necessidades intelectuais, políticas. Mas seria um erro crer que este seja o único elemento e, notadamente, que este seja válido tomado isoladamente. Só em condições excepcionais ocorre que uma opinião tenha sorte independentemente da forma exterior na qual seja apresentada. O modo de apresentação tem grande importância para a estabilidade do negócio. (...) O exterior de uma publicação deve ser cuidado com a mesma atenção que o conteúdo ideológico e intelectual; na realidade, as duas coisas são inseparáveis.” (Idem, p. 179)
“Uma revista, como um jornal, como um livro, como qualquer outro modo de expressão didática que seja planejado tendo em vista uma determinada média de leitores, de ouvintes, de público, não pode contentar a todos na mesma medida, ser igualmente útil a todos; o importante é que seja estímulo a todos, pois nenhuma publicação pode substituir o cérebro pensante ou determinar ex novo interesses intelectuais e científicos onde só existir interesses pelos bate-papos de café. (...) Por isso, não se deve ficar confuso com a multiplicidade de críticas, isso é a prova de que se está no bom caminho.” (Idem, p. 180)
Um dos pontos mais importantes para o jornalismo, diz respeito a distinção entre o meramente informativo e o político, dirigido a um público específico, e mais adiante, o jornal de Estado. Para melhor compreender a profundidade deste pensamento, é preciso conhecer o modo como a ciência política classifica os diferentes tipos de regimes. Notemos, no entanto, que Gramsci indica uma função essencial para os jornais, a qual ainda hoje permanece válida: servir também como educador da população adulta.
“Distingue-se o chamado jornal informativo ou sem partido explícito do jornal de opinião, do órgão oficial de um determinado partido; ou seja, o jornal para as massas populares ou jornal popular, daquele jornal dedicado a um público necessariamente restrito”. (Idem, p. 188)
“Napoleão III quisera fazer do diário oficial uma folha modelo, distribuída gratuitamente a cada eleitor, com a colaboração das mais ilustres penas da época e com informações mais seguras e confirmadas de toda parte do mundo. A polêmica, excluída, seria confinada aos jornais particulares. A concepção de jornal de Estado é logicamente ligada às estruturas governamentais não-liberais (isto é, aquelas nas quais a sociedade civil se confunde com a sociedade política), sejam nas despóticas ou democráticas (ou seja, quer naquelas onde a minoria oligárquica pretende ser toda a sociedade, quer naquelas onde o povo indistinto pretende e acredita ser verdadeiramente o Estado). Se a escola é do Estado, porque não será do Estado também o jornalismo, que é a escola dos adultos? (Idem, p. 191)
Considerações finais
Para finalizar esta resenha, recorro ao memorável artigo de Otto Maria Carpeaux, publicado em 1966, no qual faz uma pequena biografia de Gramsci. Diz assim:
A história das suas lutas, do seu martírio no cárcere e das vitórias póstumas do seu espírito é leitura edificante para os adeptos do credo político que foi o seu. Mas suas atividades de altiva independência em parte só agora reveladas, também o tornam caro a todos os que apreciam a heresia, the right to dissent, em suma: a liberdade. A recordação de Gramsci deve ser igualmente cara a todos os que reivindicam a verdadeira democracia, contra as hipocrisias do elitismo.

A leitura atenta e o escrutínio minucioso do pensamento de Gramsci servem, e muito, a todos que se dedicam às questões sociais e históricas, sobretudo em tempos de crise e questionamentos do modo neoliberal de organizar a produção e do pensamento único que a grande mídia corporativa dissemina. O jornalismo empresarial nasceu como um subproduto do capitalismo industrial e logo tornou-se um departamento ligado à promoção de novas necessidades do ‘mercado’. Hoje vemos onde essa estratégia levou, e as empresas editoriais estão à beira da falência por conta desse descaso com a função primordial do jornalismo: a formação honesta e coerente da opinião pública. Fica a recomendação.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O poder da indagação

Toda a pesquisa funciona como uma pergunta colocada ao mundo, pelo investigador, de modo a elucidar o próprio tema, expor os argumentos encontrados. Nas pesquisas do Direito encontramos uma série de elementos que caracterizam e estabilizam a sociedade através dos tempos. De certa forma, o Direito materializa uma parte da existência humana, mas não deixa de se remeter às estruturas arcaicas, anteriores a toda formulação filosófica. É onde se encontram reunidas as raízes de diferentes árvores do conhecimento, que num momento pretérito estiveram unidas pela origem comum. Da religião e da ciência. Da literatura como possibilidade de visualização das hipóteses antes delas se tornarem visíveis para os demais. Antecipação aos sentidos do senso comum pela sintonia fina com outro nível de análise. É através do discurso (logos) que se dá a descoberta do objeto.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

De como a economia pode se beneficiar com as analogias médicas



Comparações com a anatomia humana são uma boa alternativa para explicar os problemas gerais dos organismos sociais, sobretudo nos seus aspectos sociais mais essenciais, como a economia e a irrigação ou circulação sanguínea para os seres humanos. Esta analogia médica com certeza pode ajudar a entender porque o Brasil está como está, enquanto o resto do mundo se questiona sobre o futuro, envolvidos em incertezas cada vez mais profundas.

Antigamente, cerca de 10, 15 anos, não mais, se falava em esgarçamento do tecido social, o que pode ser melhor entendido como uma distensão muscular: as fibras se rompem e enfraquecem o tecido, o qual, no entanto, permanece vivo, embora fora de ação por algumas semanas. O esgarçamento do tecido social tem outros efeitos concretos, entre os quais o excesso de individualismo e a violência.

Quando ocorre algo assim, expresso pelos seus efeitos mais dramáticos (o aumento da violência), o remédio é a ação enérgica do poder estatal, seja na repressão direta, por meio da polícia, seja na prevenção, por meio de políticas públicas. Nestas situações extremadas, a sociedade pode sentir fortes abalos, mas poderá se recuperar depois de algumas semanas.

A situação muda quando, já nos dias atuais, o que ocorre é o necrosamento do tecido social, por falta de circulação da riqueza. Assim como os músculos precisam de oxigênio, a sociedade, as comunidades precisam de renda e acesso aos bens essenciais. Quando isso não ocorre, equivale a um colapso das relações sociais elementares, da convivialidade e da coexistência pacífica. O tecido social não só se rompeu como deixou de ser irrigado, seja pelos bens como pela riqueza, e agora dá sinais de morte gradual - a gangrena.

As atuais políticas da Comunidade Europeia estão restringindo a renda de amplas camadas da população, em vários países, o que já causa enormes prejuízos econômicos e sociais, a maioria irreversível ou, na melhor das hipóteses, que só irá se regenerar após décadas, quando uma nova geração vier a substituir a atual. Mas haverá tempo para tanto?

Haveria se as políticas públicas fossem do tipo compensatória e anti-cíclicas, a exemplo do que foi feito no Brasil, especialmente após a crise de 2008. A manutenção e a defesa do mercado nacional foi decisiva não só para preservar os empregos locais como para aumentar a distribuição da renda, o que por sua vez realimentou o círculo virtuoso do mercado interno. Seguindo a analogia, o aumento do tônus muscular da sociedade, através do aumento da circulação de riqueza, garante a força e a mobilidade do conjunto do País. O Brasil se move com autonomia em meio a crise mundial porque manteve seus músculos aquecidos e bem alimentados, com pleno emprego e distribuição de renda.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Alguma eventual poesia repousava ali

Minhas frases de algodão já não surtem efeito algum. Solto então berros de cristal pontiagudos e meus ouvidos sangram junto. Não consigo. As árvores amarelas em frente causam a sombra que envolve os seres que ali se encontram. Todos os mundos podem ser habitados por um pensamento bom. Algumas regras servem mais que outras, como aquelas que não sigo faz tempo. A possibilidade existe desde o instante anterior ao que ocorre. Entre aspas eu coloco os pensamentos alheios; os meus vão assim desembrulhados mesmo, entregues na mão. Sempre acho alguma poesia eventual nestes trechos soltos. Faça você também sua vontade de significar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

a implosão do jornalismo convencional


Em 2006 escrevi esta nota para um blog, mas não publiquei. Hoje, vejo que ainda tem sentido.
"
Provocação inicial para um debate ou conversação mais profunda sobre o estágio presente e futuro dos meios de comunicação, sobretudo para os países do 3º mundo. Após a revolução tecnológica do suporte (internet) veio a revolução do modus operandi, da linguagem e da dinâmica interna do processo de produção do conhecimento. 
O caráter democratizante e emancipatório deste novo meio de comunicação abre novas frentes de batalha no interior das disputas simbólicas.

A explosão dos blogs e a facilidade de publicar na web trouxe muitas escolhas e novas perguntas interessantes. Será tão fácil fazer jornalismo de qualidade como andam supondo? Parece que não. Examinando outros momentos de grande efervescência cultural, provocados pela popularização de novas técnicas, podemos perceber similaridades. São ciclos de expansão e contração, ruptura e acomodação, avanços e recuos. Foi assim nos primeiros passos da imprensa, que evoluiu dos panfletos para o jornalismo crítico, iluminista e republicano. 
A possibilidade de se dirigir a plateias ou públicos cada vez maiores não parou de crescer, como atestam o desenvolvimento dos meios de comunicação eletrônicos (rádios e televisão) e agora com os meios digitais e todas as suas implicações e conseqüências. Assim, a aparente facilidade de publicação, típica das fases de expansão, com todos os seus excessos e distorções, deverá, em breve, passar para a fase de estabilização e depuração, apesar da velocidade do processo continuar a aumentar.
Os leitores aí dos EUA podem deixar comentários em inglês.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Algumas explicações atuais


Bem, aqui estou, alheio ao público em geral, abrindo o jogo na internet. Escrever para o público incerto e disperso num enorme universo pode ser um exercício de liberdade de pensamento. Claro que pode, mas precisa ter alguma mensagem. No caso atual, aqui no Brasil, vivemos o período eleitoral, quando iremos votar para presidente da república, governadores e eleger representantes para o Congresso Nacional. Seria o momento de falar de projetos para o futuro, em termos de acordos políticos e programáticos. Poderia se discutir também os conceitos e as ideias, mas o que se vê não é bem isso.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Seleção diária de notícias

Um dos aspectos mais importantes da tecnologia da internet é dispor destas ferramentas agregadoras e tb das mídias sociais para criar o seu próprio cliping diário das melhores fontes de informação. Assim é possível criar uma conta para cada tipo de fonte, separando as narrativas conforme sua ideologia. É o básico da profissão de repórter. Aos poucos esse uso vai se refinando e aprimorando.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

#Crônica do instante.

Online a velocidade da informação pode acelerar rapidamente de zero a 100 em fração de segundo. Pode ser desacelerada para 40 por hora e assim poder perceber o que se passa na paisagem lá fora. Descobri um milhão de emissoras de rádio na Web. Os tweets pipocam
tão rápido que é impossível acompanhar tantos assuntos ao mesmo tempo. Então faço seleções para leitura e análise, vejo os trendtopics gerais e segmentados. Está bombando o #Snowden e Evo Morales no tema de espionagem.
No tópico Evo Morales a taxa de renovação dos pulsos é 20 por segundo, neste momento do dia. 10 horas da manhã. A maior parte dos tweets são meras repetições da notas anteriores, as starts ups.
Os assuntos remetem a um problema maior, que fica em segundo plano, que é a disputa pelo poder efetivo sobre a circulação da informação num sistema global em abrangência, porém com restrições evidentes à livre expressão na internet.
Uma boa notícia do dia é esta, vinda do IBGE, portanto uma fonte confiável; "Pesquisa do IBGE aponta que 76,8% dos municípios brasileiros possuem computadores na rede pública de ensino." Este dado quer dizer que aumenta a capacidade de convencimento através de outros meios de comunicação, embora a televisão ainda seja a campeã de audiência, a que tem a maior influência na formação da opinião geral.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Surto de autoritarismo atinge o Brasil

Na caverna, segundo Platão, só se vê sombras projetadas.

Autoritarismo e intolerância estão tomando conta do pensamento e do comportamento dos brasileiros nos últimos tempos. Diz o ditado: 'quem com ferro fere, com ferro será ferido'  e há também o outro, ainda mais pertinente - quem semeia vento colhe tempestades. Pois é mais ou menos o que temos agora.
 A desigualdade e a desinformação têm em comum o prefixo negativo e ambas produzem efeitos funestos na mente das pessoas. Geram a sensação de insegurança, de desamparo e, o que é pior, a revolta do pobre contra o rico e o medo que o rico sente do pobre. Gera ainda absurdos como a nostalgia da ditadura e dos privilégios da elite. Mas o que está causando estragos, mesmo, é a inversão de valores e a confusão de papéis: a grande mídia faz política e não informa; o judiciário quer fazer política e não distribui justiça como devia; os políticos estão nas mãos do poder econômico e não conseguem fazer política. Tudo isso leva a crer que o nó da questão é a política - a luta pelo poder de mando. Então, o que está fazendo falta é a qualificação da política, o aprimoramento da imprensa e a imparcialidade da justiça. Enquanto estes sujeitos estiverem trocando as bolas a situação vai ficar neste impasse.
No fundo há uma grande incompreensão do que seja a raiz do problema. Acredito que ao assumir um estilo de vida consumista, egoísta e perdulário a pessoa vai perdendo sua humanidade e se torna objeto, e vê os outros como concorrentes, como ameaça ao seu estilo de vida. A origem de toda a violência está na pobreza material e mental. Agora não basta distribuir a renda sem repartir as oportunidades. É preciso evoluir em humanidade, aumentar o nível de consciência geral, praticar a tolerância e jamais esquecer as lições da história, para não repetir os erros do passado. Este seria um bom momento para dar um passo adiante, evitar o retrocesso institucional e salvar o que resta de humano em nós.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

30 anos depois

Estupendo é reencontrar um amigo depois de 32 anos longe. Nós éramos muito amigos, feito irmão pela proximidade. Por força das voltas que a vida dá, e nos impõe, cada um foi para um lado em 1980 e, desde então, vivemos nossas vidas sabendo que o bom camarada da juventude estava por aí neste mundão. Perdi a conta das vezes que, em sonho, encontrava meu amigo e, depois, além de reencontrar contava que havia sonhado com aquele momento. Era o sonho dentro do sonho que repetiu inúmeras noites, sempre a mesma cena. Agora, nestes dias, por força do destino, recebi uma mensagem com os telefones do meu velho amigo. Liguei e atendeu uma criança. Perguntei pelo Eduardo e ela gritou do telefone: - Pai, tem um Victor querendo falar contigo. Assim, 30 ano depois, voltamos a conversar. Foi muita alegria, uma emoção diferente, algo que só a amizade fraterna pode manter por tanto tempo afastados. ainda não nos encontramos pessoalmente, mas logo vamos nos visitar e celebrar os dias que compartilhamos na juventude e saber por onde andamos nestes 30 anos. Grande abraço. A gente se fala.
Nesta foto, nós dois aos 16 anos, em 1980, mais minha irmã e primas.